Nossos atos definem quem somos hoje. Nossas reações sinalizam quem seremos amanhã. A distância aparentemente curta entre os olhos e o coração parece intransponível para boa parte do mundo.
Anestesiados contra o sofrimento alheio, alguns só sabem viver em função de seus próprios interesses. Já para os cristãos, deve ser impossível conjugar o Verbo na primeira pessoa. Andar com Jesus significa entender que “eles” somos “nós”.
A Bíblia é um livro que nasceu e cresceu no contexto de migração milenar. A história dos cristãos teve início com o migrante Abraão. Ele é exemplo da prática da hospitalidade, afinal, no ambiente inóspito do deserto, água fresca, alguns pães e sombra poderiam significar a diferença entre a vida e a morte.
Somos herdeiros de uma tradição espiritual de um povo que foi perseguido, rejeitado e escravizado anunciando as “boas novas” de cidade em cidade. Moisés guiou seu povo na fuga da opressão e da vida indigna que os poderosos lhes impunham, justamente, por serem estrangeiros.
Desde o início do Cristianismo, prevalece o sentimento de que a Igreja é peregrina na busca da pátria definitiva, e enquanto caminha, ajuda a criar um novo céu e uma nova terra. Jesus, filho de migrantes sem-teto, não encontrou lugar para nascer numa sociedade que rejeitou seus pais e se recusou a acolhê-los quando fugiam da violência e do genocídio. Não há lugar para eles na estalagem e nem no coração daqueles que um dia foram acolhidos pelo Senhor.
Como migrante, o Mestre entrava e saia de aldeias continuamente. E sempre denunciava a discriminação e os paradigmas preconceituosos e racistas. A escolha de um samaritano como herói na parábola é outra demonstração de que ele veio derrubar os muros de separação e fronteiras imaginárias. O ódio, a discriminação, a xenofobia e o racismo são exatamente o oposto da proposta cristã.
Quando pensamos no estrangeiro, nós, cristãos, não devemos pensar no abalo que a chegada daquelas pessoas traz ao cotidiano da nossa sociedade. Temos de lembrar o que a Bíblia nos ensina, em Deuteronômio 24:18, “Recorda que foste escravo na terra do Egito, e que Yahweh, teu Deus, daquele povo te resgatou”.
Que as lágrimas do estrangeiro recebam a acolhida dos nossos braços abertos, capazes de convertê-las em lágrimas de felicidade. Jesus disse que, quando acolhemos o estrangeiro, nós o acolhemos. “Quando eu era estrangeiro, você me recebeu?”. Como respondemos a essa pergunta hoje?
Texto adaptado de Carlos Bezerra Jr.
Foto* Jonathan Weiss