Por Michele Bravos*
Qual é a sua definição de campo missionário? Talvez passe pela sua mente um vilarejo no Oriente Médio, com pessoas vivendo à sombra do terror por serem cristãos e, ainda assim, não negando a sua fé. Talvez você tenha ido direto para o Quênia, no continente africano, e lembrado de missionários que relatam milagres diários de provisão de comida, de curas físicas. Ou ainda, você foi para o sertão do Brasil, onde se luta por uma libertação de mente, uma libertação da idolatria. Eu posso citar aqui tantos outros lugares: Cuba, Haiti, Rússia, Taiwan, Nepal, Tailândia e, por que não, o meu, o seu ambiente de trabalho ou estudo.
Minha caminhada com Cristo tem 9 anos e, no começo dessa relação, eu acreditava que ser missionário era um título conferido apenas àqueles que viveriam em tempo integral para isso, plantando igrejas em lugares não-alcançados.
Lembro o dia em que estava saindo do trabalho – na época, em uma redação de jornal, na qual eu adorava trabalhar – e um rapaz na rua me parou e disse: “Você é missionária. Sabia disso? Deus fará de você missionária”. Eu escutei aquilo e fiquei sensibilizada, mas confesso que não entendi.
Minha mente me remeteu a outro dia da minha vida, em que eu havia sido tomada de convicção de que ser jornalista não era uma simples profissão no meu caso, mas um chamado de Deus para mim. Ele havia me chamado para ser jornalista e era assim que Ele faria suas obras por meio da minha vida. Entendi que havia propósito em ser jornalista.
Fiquei com a mensagem do estranho ecoando em minha mente e ela se perdeu em meus pensamentos: “Deus, não é mais para eu ser jornalista? Como eu serei missionária? Essas peças não se encaixam…”.
Demorou anos para eu entender que uma coisa não excluía a outra. Na verdade, aquele rapaz da rua lançou um desafio: ser missionária sendo jornalista.
No dia da minha formatura, juramos anunciar a verdade. Podemos entrar em uma discussão filosófica sobre o que é verdade. Mas, para mim, esse juramento foi muito claro. Não cabiam as lágrimas em mim nesse dia. Sim, eu vou anunciar a verdade, a verdade daquele que é a própria Verdade.
Desde então, meus esforços têm sido para levar informação de valor para a sociedade, pautada em princípios que vão além das regras da profissão. Eu quero escrever uma matéria que promova uma reflexão pessoal, podendo gerar uma transformação social. Eu quero anunciar o amor, a esperança, a paz, a justiça. Eu quero encorajar a sociedade a se reconhecer no outro e a olhá-lo com dignidade.
De 2012 a 2015, desenvolvi, junto com outros colegas, um projeto fotográfico que visava resgatar a identidade de populações vulneráveis. O projeto não era titulado como cristão, mas tenho certeza que o que vivemos propagou o amor de Deus e refletiu seus atributos. Devido ao meu trabalho como jornalista, conseguimos abertura para realizar o projeto no sistema carcerário.
Certa vez, durante uma das atividades na penitenciária, uma detenta nos disse que havia tentado se suicidar naquele mesmo dia pela manhã. Ela confessou que havia matado o marido, que por 20 anos a agredia diariamente. “Um dia, a ira tomou conta de mim. Quando ele veio me bater, eu bati nele com a cadeira até a morte. Eu me sinto culpada”. Nosso coração foi esmagado por aquilo. Naquela hora, Deus me lembrou de uma matéria que eu havia lido dias atrás, que contava que, em uma determinada tribo africana, quando algum membro fazia algo errado, ele era levado para o centro de uma roda e todos os outros membros da tribo declaravam para a pessoa as características positivas que ela possui, para, assim, reconectá-la com a sua boa essência. E foi isso que fizemos ali, em uma sala quadrada pintada de verde, com pouca iluminação e grades na janela.
Aquela mulher foi envolvida por palavras de afirmação e amor, declaradas por outras detentas e pela nossa própria equipe de trabalho. Choramos todos juntos. Elas voltaram para suas celas. De tarde, reencontramos com ela, que com um sorriso tímido no rosto nos disse: “Depois do que eu vi hoje, da forma como eu me vi hoje, eu não quero mais me matar. Da mesma forma que eu ouvi uma voz dizer para mim que eu deveria morrer, que eu não valia nada, hoje, eu ouvi: ‘Você está viva. Tem vida aí dentro e é vida em abundância’ ”.
Obviamente que há muito ainda para ser trabalhado na vida dessa mulher. Não sejamos inocentes. Mas, naquele dia, ela optou pela vida. Mais um dia de vida. Por estarmos lá, exercendo nosso ofício, foi possível lembrá-la como Deus a via, como ela realmente era, além do crime que havia cometido. Jesus falou com ela.
Diante da minha caminhada profissional, nasceu em meu coração o sonho de me aprofundar nos estudos. Por isso, hoje sou mestranda em Direitos Humanos, com uma pesquisa voltada para a área de comunicação e populações invisíveis.
Nessa área – tanto do jornalismo quanto da universidade – são poucos os cristãos. Percebo que algumas pessoas de meios mais intelectualizados costumam ver a fé como uma falta de possibilidade e não como a escolha. Do meu convívio nessa área, diria que de 50 pessoas, apenas eu sou cristã. Campo missionário desafiador!
Jornalistas e acadêmicos são mentes inquietas por natureza e isso é lindo. Mas, o caos mental constante impede a manifestação da paz interior. É uma honra poder mostrar para alguém assim, uma música criada por inspiração divina, apresentar a ela a paz que excede o entendimento humano.
Tenho percebido com o tempo que as fragilidades humanas não se encontram apenas naquilo que vemos, como a fome, as doenças. Fragilidades emocionais são tão destruidoras quanto as naturais. Mas só enxergamos esses vazios intrínsecos de alguém quando estamos perto. É uma ilusão achar que o secretário-geral da ONU não possui vazios, que a diretora de uma multinacional não perde o sono pensando nos conflitos pessoais, que o mantenedor de um projeto social não chora pelo casamento falido, que uma editora do New York Times não deseja se abrir e ouvir uma palavra de conforto. Imagine essas pessoas saradas. Imagine o impacto social disso.
São nesses ambientes que também fomos chamados para estar. Se lá tem alguém sedento, é lá que devemos ir como chuva fresca. Se o “lá” é a sala ao lado da sua no 10º andar do prédio executivo onde você trabalha, então, esse é o seu campo missionário.
Nesse fim de semana mesmo, conheci uma menina de 20 anos que sabe que Deus a quer no mercado de trabalho. “O sonho que Deus colocou no meu coração é ter uma fazenda e criar gado”. É ela que vai poder orar com um fazendeiro quando estiver negociando o valor da arroba e revelar a compaixão, a bondade de Deus, por exemplo.
Inseridos nas diversas esferas da sociedade, temos a possibilidade de mudar as regras de um jogo que tem sido marcado pelo egoísmo, pela ganância, pela injustiça. Fomos chamados para liberdade e para libertar um povo, com as nossas habilidades e peculiaridades moldadas por Deus. Sejamos mensageiros de boas notícias, onde quer que Ele nos envie.
*Michele Bravos é jornalista e fotógrafa, com enfoque em direitos humanos, e mestranda em Direitos Humanos e Políticas Públicas. Atualmente, trabalha como freelancer e desenvolve trabalhos sociais, focados no resgate de identidade e promoção de cidadania de pessoas em vulnerabilidade social.
Ao ler o seu texto me identifiquei bastante,principalmente na profissão ( pois desejo seguir a mesma ) É lindo quando os nossos sonhos estão atrelados com os sonhos de Deus , isso prova que a razão de viver é , e sempre será fazer aquilo que somos chamados pra fazer.
Michele é bem isso ser missionário não é somente ir para lugares longe de tudo e de todos mas sim em sua escola sua vizinhança entre tantos outros lugares, estamos escrevendo uma peça para que todos que assistirem entendam que nossa missão é levar aas boas novas em todos os lugares que deus nos colocar, parabéns pelo seu trabalho.
O amor que O SENHOR JESUS CRISTO tem, não tem fim.Este amor está em ti. Toda honra e toda glória a Êle. Abraço fraterno a ti.
Que Deus continue a te usar por onde quer que andares!
Todos temos o chamado , é lindo quando vemos pessoas como você, abrindo o coração e levando a palavra de Deus . Você me desafiou !
Deus te abençoe!
Me emocionei ao ler, Deus tem levantado uma geração que ama o que faz e ama quem a enviou a fazer.
Somos todos os dias confiados a levar o reino onde formos, Deus abençoe sua vida Michele!
Muito linda sua história com Deus minha Irmã. Que Deus levante mais pessoas como Você para saquear o inferno. Deus abençõe.