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Num vilarejo cercado por desertos avermelhados ficava o lar da pequena Muzon Kurdi. Toda noite, enquanto sua mãe servia deliciosas refeições, Muzon ouvia as histórias do papai sobre os amigos que conheceu na vida. Ao imaginar como eram as pessoas, a menina apertava os olhinhos com uma expressão que faziam seus pais rirem em torno da mesa. Vida simples e feliz.

Mas aquela terra foi invadida por pessoas más que expulsavam os moradores de suas casas e obrigavam as famílias a se separarem, sem explicação. Muzon e seus pais conseguiram sair no meio da noite, antes que aquela gente ruim os encontrassem. Fugiram da própria casa em busca de um lugar seguro, se possível com a ajuda dos bons amigos do papai. A família Kurdi partiu com tanta pressa que não levaram nem muita comida, nem dinheiro.

Depois de alguns dias atravessando o deserto a pé, Muzon, sua mãe e seu pai já não tinham mais o que comer. A fome apertava quando a família encontrou a solitária casa de uma conhecida do Papai Kurdi. Ele bateu na porta várias vezes até que ela atendeu com medo, fingindo que não o conhecia. Muzon apertou seus olhinhos e então, do nada, a moradora deu-lhes uma bolsa com pães, frutas e água antes de bater a porta e mandá-los embora.

Pela manhã, depois de uma longa caminhada, a família Kurdi chegou à beira do mar para conseguirem um barco que os levasse para longe das pessoas más. Como não tinham dinheiro para a viagem, nenhum dos homens que papai conhecia queria levá-los. Mamãe teve tanto medo das pessoas más lhes alcançarem que se ajoelhou no meio da praia com o papai lhe apoiando. Algumas pessoas paravam para olhar, mas sem vontade de ajudar.  Então, pela segunda vez Muzon apertou seus olhos na esperança de encontrar pessoas boas.

– Subam logo a bordo! – esbravejou o impaciente capitão de um barco pesqueiro.

Depois de algum tempo de viagem, o mar ficou agitado com ondas tão grandes que afundaram a embarcação. Agarrados a um grande pedaço de madeira da proa, a pequena Muzon e seus pais ficaram à deriva nas águas geladas até avistarem o pequeno contorno de um navio a frente do pôr do sol. Mamãe chorava. Papai gritava e balançava os braços para que fossem vistos. A pequena menina apertava os olhinhos ardidos de sal torcendo que houvesse alguma pessoa boa naquele navio. Quando ouviram o apito ao longe, souberam que seriam salvos.

Refugiados no convés do navio estrangeiro, a família Kurdi já tinha recebido cuidados enquanto olhavam o horizonte dourado abraçados com um cobertor sobre os ombros. Mamãe pensava em ter um lugar seguro para preparar uma saborosa comida. Papai esperava conseguir um emprego o quanto antes. E Muzon… bem, Muzon não esperava nada. Tudo o que ela queria, cabia no abraço que dava em seus pais – os mesmos pais que foram salvos por uma menina que acreditava que, se fechasse bem os olhos para falar com Deus, pessoas ruins se tornavam boas.

Texto: Rafael Lima

 

Este post tem um comentário

  1. Ane Melo

    Que lindo, Rafa! Viagem com a família Kurdi. Que seja este o final de todos eles, um refúgio, um lar seguro.

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