Por Paulo Henrique Barbosa / Revista Ultimato
Mal começou 2018 e já se fala em nova onda de deslocados da Síria por causa dos conflitos entre o governo Assad e grupos insurgentes na região de Idlib. Na Alemanha, as divergências sobre a política migratória emperraram até pouco tempo atrás a formação do governo após as eleições de setembro de 2017. A assim chamada crise de refugiados continua na ordem do dia.
Mas, a essa altura, a tarefa importante talvez seja colocar os fatos numa perspectiva mais ampla que permita observá-los em conexão com outros eventos, compreender a profundidade dos desafios e oportunidades contemporâneas e, a partir disso, desenvolver uma estratégia missionária consciente dentro de casa e lá fora.
Deslocamentos e expulsões
Os deslocamentos forçados em larga escala são um fenômeno de longa duração a compor o panorama global, pelo menos, pelas próximas décadas. Vêm na esteira da mudança do padrão da economia mundial colocada em marcha a partir de 1980. Como observa Saskia Sassen , passamos de uma lógica da incorporação para uma lógica de expulsões.
No arranjo que emergiu nos países centrais após 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a produção de riqueza dependia de um mercado de consumo amplo e, por extensão, de algum grau de distribuição da própria riqueza e elevação do padrão de vida geral. Quanto mais gente em condições de adquirir produtos e pagar por serviços, melhor girava a roda econômica.
Em 1980, a globalização e a financeirização da economia alteraram essa dinâmica. A população passou a ter um papel cada vez menor nos lucros de muitos setores econômicos e, como já se vê no que se tem chamado de “crise da democracia”, perde peso político real. Como resultado, as massas – sejam trabalhadores ou consumidores – tornam-se cada vez mais dispensáveis, quando não inconvenientes.
O desemprego e subemprego estrutural, o aumento da desigualdade e da concentração de riqueza e renda, os violentos despejos de povos nativos e tradicionais pelo mercado global de terras, o encarceramento em massa, a falência de Estados e o desmonte dos sistemas de proteção social são manifestações, mundo afora, dessa lógica sistêmica de expulsões.
As crises de refugiados também. É em regiões da África e da Ásia, incluído o Oriente Médio, que elas são mais visíveis hoje e – a se confirmarem megatendências sociopolíticas, geopolíticas, econômicas e climáticas – devem se intensificar nas próximas décadas. Observado de uma perspectiva antropológica, esse fato tem um significado relevante do ponto de vista missiológico.
As oportunidades da crise
Existe uma relação de correspondência entre as condições sociais da vida de um povo e a força e o apelo que sua religião exerce sobre ele . Para sustentarem-se, as crenças e práticas religiosas precisam apoiar-se em ideias, atos e instituições presentes no cotidiano das pessoas. Esses elementos criam um tipo de ordem cultural em que as concepções religiosas aparecem, para quase todo mundo, como inevitáveis, óbvias e naturais.
Nos países sobre os quais estamos falando, esse aparato social da fé majoritária vai de instituições políticas, como o direito e a educação, à tradição popular e à pressão da família e da sociedade pela conformidade religiosa. Tudo isso, porém, se estremece no contexto das massivas migrações involuntárias. A crise dos modos de vida vulnerabiliza os sistemas simbólicos a partir dos quais os indivíduos afetados interpretam a realidade e orientam-se nela.
Encontros com Jesus
Está montado, então, o palco para uma crise das religiosidades tradicionais. Situações desse tipo costumam tomar diversas direções: do ceticismo e secularismo, num extremo, a um apego mais decidido e zeloso à filiação religiosa original, noutro. Mas abrem também condições sociais, em vários aspectos, bem mais favoráveis para a ação missionária e a penetração do Evangelho.
Pesquisas disponíveis apontam nesse sentido, apesar da dificuldade de coletar dados estatísticos a respeito. Segundo Patrick Johnstone , a população global de muçulmanos convertidos a Cristo passou de 200 mil, em 1960, para algo em torno de 10 milhões, em 2010, com um salto muito significativo a partir da década de 1990.
David Garrison registra que muito mais muçulmanos vieram a Cristo nos 12 primeiros anos do século 21 do que nos mais de 1.300 anos anteriores do islã: 84% dos “movimentos comunitários” de conversões entre povos islâmicos (pelo menos 100 novas igrejas ou mil batismos num período de duas décadas) em toda a história aconteceram após o ano 2000.
Tudo isso diz algo sobre a Missão em nossos dias. O mundo de perda de habitat que vai se desenhando aos nossos olhos, com multidões cada vez maiores perambulando sem lugar, é também um mundo de encontros. Encontros antes improváveis. Encontros com Jesus. Campos brancos para a colheita.
- Paulo Henrique Barbosa é advogado e sociólogo. Trabalha no departamento jurídico da Universidade da Família e é membro da Igreja do Evangelho Quadrangular de Pompeia, SP.
Artigo originalmente visto na Revista Ultimato
Notas
[1] “Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global”. Autora: Saskia Saassen. Editora Paz e Terra, 2016.
[2] “Observando o Islã”. Autor: Clifford Geertz. Editora Zahar, 2004.
[3] “Believers in Christ from Muslim background: a global census”. Autores: Patrick Johnstone e Duane Alexander Miller. Publicado em: Interdisciplinary Journal of Research on Religion. Disponível em: https://www.academia.edu/16338087/Believers_in_Christ_from_a_Muslim_Background_A_Global_Census
[4] “Um vento na casa do Islã”. David Garrison. Editora Esperança, 2016.